quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Dance of Days: tão juvenis quanto autênticos

Um filósofo gaúcho definiu de forma brilhante a propensão da juventude a algum tipo de rebeldia: uma combinação de fatores sociais, psicológicos que, contraditórios, levaria a um tipo de "pulsão rebelde" nos corações e mentes jovens. Além da rebeldia, outra característica comumente associada ao espírito juvenil é o exagero. E acho que o binômio "exagero e rebeldia" é o melhor para qualificar a trajetória da banda paulista Dance of Days.

Se a arte é uma forma do homem se reencontrar, se reconstruir e dar sentido a seu lugar no mundo, toda manifestação artística deve ser considerada sob este prisma. O fenômeno, de vanguarda, que o DoD expressa nos parece interessante. Se existe identidade entre milhares de jovens e a banda, se explica algo que é mais do que as vontades e trejeitos individuais de seu band-leader.

Tudo começou...

A criação do DoD se confunde com a trajetória de Nene Altro, vocalista e letrista. Nene era jovem nos anos oitenta, vivenciando a efervescência da cena punk brasileira e paulista. Já no ensino médio, em meio ao movimento secundarista da cidade de Guarulhos, aderiu ao anarquismo organizado, militando nas fileiras da chamada UGT (organização que reivindicava o anarco-sindicalismo, inspirada na FAI/CNT espanhola). Ao contrário da maioria dos grupos punks, que foi levado por uma postura anarquista efêmera, a disposição de Nene não foi passageira. Seu engajamento em campanhas anti-nucleares, anti-fascistas e em defesa da ação direta foi sempre notável. Esta é uma das marcas do DoD.

Sua musicalidade, além da posição política militante, tem uma originalidade: sintetiza as guitarras e temáticas punks com arranjos e letras próximos ao rock inglês. Nos anos oitenta, era impensado unir influências como a banda Coléra e The Smiths. Uma influência que, segundo o próprio Nene, "ia dos punks do 7 seconds ao Joy Division".Romper esse preconceito ajudou a projetar o DoD como banda no cenário alternativo., tão árido no Brasil dos anos noventa.

O terceiro elemento que constituiu a "alma" do projeto DoD foi a ousada influência da filosofia e da literatura em suas letras. Nenhum grupo brasileiro tem mais referencia à literatura de vanguarda. Canções com nomes como "Quem vai limpar o quarto de Gregor Samsa" (referencia explicita à "Metamorfose" de Kafka) ou "Ferris e o queimador de livros ("Farenheit 451") apontam nessa direção.

Essa mistura foi feita com muita energia, rebeldia e, sobretudo, exagero. Traços que levariam muitas vezes a uma postura confundida com pieguice. Contudo, nada mais juvenil.

Uma banda que diz tanto...

O DoD nasceu em 1996. Até hoje lançou, de forma independente, oito álbuns. Sem grande divulgação, atravessou os anos noventa. Fundaram o selo alternativo "antimidia". Nadando na contracorrente, o DoD trouxe, sob a definição genérica de "pós-punk", uma boa contribuição para a cena alternativa dos últimos anos.

Em "Nos Olhos de Guernica", a banda homenageia o grande revolucionário anarquista Buenaventura Durruti, morto em combate durante a guerra civil espanhola, com a seguinte letra: "Ya Basta!/O verão acabou/quando Durruti ficou sem munição/e Guernica tornou-se a maldição".

Além dos temas políticos e existenciais, o componente afetivo se destaca nas letras do DoD. Vários críticos enxergam nesta característica a "prova" da suposta futilidade estrutural das letras da banda.

Os críticos das temáticas afetivas deveriam prestar mais atenção no que dizem. Grandes e relevantes obras foram feitas tomando em consideração questões como o amor. Conforme Agnes Heller, "a melancolia é o esboço da ação grandiosa sem condições histórico-culturais de se concretizar. Na ausência de feitos e ditos heróicos, o sublime se torna farsesco ou patético".

Em tempos onde a utopia - no sentido de um horizonte a ser perseguido - está distante das mentes e corações juvenis, o melancólico é sua expressão em essência. A frustração individual ou coletiva se manifesta nas canções, na arte, como o hard core, o punk, as HQ's. São estas expressões juvenis contemporâneas, entre tantas outras, cada vez mais diversas e plurais.

Entretanto, a mensagem não é apenas negativa ou passiva. Há um vetor contestador, progressivo nas manifestações, na identidade construída pelo DoD como encontramos nestes versos: "Vem dar valor ao que é bom nessa vida/que é tolice viver por viver,/e já é dia de deixar pra trás a dor e o "tanto faz"/É cedo ainda."

Com esse otimismo, podemos estabelecer paralelos entre os processos de construção da subjetividade e a capacidade de rebeldia. E, nessa esperança, o futuro aguarda os homens e mulheres que se revoltam, como na metáfora existencialista de Camus.

***

Hoje, à luz dos anos, já não me entusiasma tanto o som do Dance of Days.

Lembro, como se fosse ontem, de um show no final de fevereiro, dias depois de completar 17 ou 18 anos. Uma noite quente no Garagem Hermética, em Porto Alegre. O mundo mudou muito.

Das bandas que gostava na época, a saber, Cólera, Mukeka Di Rato, Inocentes, hoje acompanho de perto apenas o Dead Fish. Sua veia marxista ainda me encanta.

Porém, vejo que o Dance of Days diz muito. Por isso, respeito sua obra. Fala de uma juventude com conflitos mais diversos. Conflitos daqueles que buscam pensar um mundo pela frente. Conflitos dos que não aceitam a coisificação das relações, o preconceito e naturalização das diferenças sociais. Nada mais juvenil.

Israel Dutra é professor de sociologia

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